Os funcionários das empresas Deloitte, PwC, EY e KPMG reclamaram do expediente de trabalho de até 16 horas diárias

Um ano depois de o Ministério do Trabalho espanhol ter iniciado uma investigação sobre as práticas e condições de trabalho nas principais empresas de consultoria, conhecidas como "quatro gigantes" - Deloitte, PwC, EY e KPMG - o órgão governamental optou por impor uma multa de, no mínimo, 1,4 milhões de euros depois de investigar as condições de trabalho e a carga horária realizada pelos trabalhadores e trabalhadoras, consantando que em geral era sempre superior àquela anotada nos registros.

Em algumas situações, os funcionários das principais corporações se queixavam de realizar jornadas de até 16 horas diárias ao trabalho.

De acordo com os veículos de imprensa da Espanha foi desafiador conduzir a investigação devido à ausência de registros de horários nas firmas de consultoria, um requisito legal implementado em 2019.

Segundo Sergio Padilla, ex-funcionário da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC) em Madrid, essa alegada ausência de responsabilidade contribuiu para que as jornadas de trabalho abrangentes se tornassem comuns.

Padilla - cujo pseudônimo foi utilizado para preservar sua confidencialidade - tinha o hábito de trabalhar durante 12 horas diárias: desde as 9 horas da manhã até as 9 horas da noite. Isso lhe pareceu totalmente comum, que todos os seus colegas da empresa de consultoria estavam enfrentando a mesma situação.

Mal dispunha de tempo desocupado após o expediente. Não encontrava tempo para realizar as compras no mercado resultando em alimentação de fast-food em todas as refeições.

Ao longo do período de dois anos em que trabalhou na empresa Padilla afirmou que sua insatisfação aumentou gradualmente até que, por fim, optou por deixá-la voluntariamente e retornar à sua cidade-estado natal. 

lucro sem precedentes e degradação das condições laborais

Os escritórios das maiores empresas de consultoria foram alvo de busca e apreensão em novembro de 2022, após o início de uma investigação pelo Ministério do Trabalho da Valencia, sob liderança do ministro Yolanda Díaz, sem que tenha havido registro de denúncia formal.

"Os inspetores detetaram, através da imprensa ou das redes sociais, práticas que consideraram poderem estar fora do âmbito da legislação laboral e atuaram", disseram fontes do Ministério à Euronews.

O ministério recolheu informações e documentos sobre a forma como estas empresas controlavam o horário de trabalho dos seus empregados e se as horas extraordinárias eram pagas ou compensadas.

Segundo Raúl de la Torre, do sindicato espanhol Comisiones Obreras, o setor da consultoria em Espanha tem registado uma grande fadiga de mão-de-obra.

"Há alguns meses, eles [empregadores] queriam incluir no contrato [de trabalho] que tínhamos de trabalhar até 12 horas por dia, de segunda a sábado, sem qualquer compensação adicional. Lançámos uma campanha nas redes sociais que levou à primeira greve no setor", afirma.

De la Torre sublinha que as condições de trabalho só pioraram desde 2008, enquanto as empresas registaram lucros recorde, o que é uma contradição típica do capitalismo que resulta no aumento das desiguades e concentração da renda.

Em 2021, as "Quatro Grandes" lucraram 2,5 bilhões de euros durante o ano fiscal, segundo dados recolhidos pelo jornal Expansión. Os patrões cosideram que a fonte da alta lucratividade é a superexploração da força de trabalho.

"A duração máxima da jornada de trabalho não é respeitada, o período de descanso exigido por lei não é respeitado e o salário piora a cada dia", lamenta de la Torre.

"Temos cópias dos contratos do setor e há pessoas que trabalham em Madrid e ganham 14 mil euros por ano".

Após meses de negociações e greves, chegaram a um acordo que prevê que os trabalhadores licenciados, que anteriormente recebiam 14 100 euros brutos por ano, passem a receber até 15 300 euros.

Acordaram também que os trabalhadores com três anos de experiência não devem receber menos de 17.100 euros. 

Sacrifícios num mercado de trabalho instável

Embora as expectativas dos trabalhadores em relação aos benefícios e às condições de trabalho tenham mudado nos últimos anos, Padilla insiste que a imposição de jornadas de trabalho excessivas e estressantes se tornou a norma nas "Quatro Grandes".

O desemprego em massa, durante as crises, fragiliza os assalariados e favorece a estratégia das empresas de aumentar o grau de exploração da força de trabalho. Embora em queda nos últimos anos, a taxa de desemprego na Espanha é alta, tendo marcado 13,26% em março deste ano.

"Em 2008, com a crise, se houvesse um emprego disponível, tínhamos quatro pessoas à procura dele. Está enraizado na mente das pessoas que temos de estar muito gratos pelo emprego", diz o porta-voz do sindicato.

Além disso, muitos dos novos contratados das grandes empresas de consultoria são recém-licenciados.

De acordo com o último relatório publicado pela Associação Espanhola de Empresas de Consultoria, 29% dos novos contratos efetuados por estas empresas em 2021 foram para recém-licenciados que ainda não tinham experiência profissional.

Os jovens submetem-se ao sacrifício com a esperança de impulsionar as suas carreiras, sentimento que vai ao encontro da ganância patronal.

Fonte: Laura Llach no euronews