Trabalhar menos e trabalhar melhor são temas que envolvem interesses sociais contraditórios, instingando conflitos distributivos, despertando paixões e polêmicas. Por isto, em contraponto à cultura de trabalho workaholic, que reforça a dedicação excessiva com longas jornadas de trabalho quase todos os dias da semana, a redução da jornada de trabalho está ganhando espaço e apresenta contrapartidas significativas para as empresas em relação à produtividade do trabalho, melhora da saúde mental e redução das doenças ocupacionais.

Os últimos anos, que aceleraram a adoção do trabalho remoto e híbrido em várias décadas devido à pandemia, também levaram a uma discussão mais profunda sobre o impacto do bem-estar e da saúde mental dos funcionários na produtividade. Neste novo contexto, trabalhar menos pode significar trabalhar melhor — ser mais produtivo e produzir os resultados desejados com a melhor utilização dos recursos disponíveis, e o tempo é um deles.

Os primeiros testes de redução da jornada de trabalho começaram a ser implementados recentemente. No Reino Unido, 61 empresas e cerca de 3.000 funcionários participaram nos primeiros testes em grande escala da semana de trabalho de 4 dias. E os indicadores foram satisfatórios: redução do nível de estresse dos trtabalhadores, redução da incidência da síndrome de burnout (ou seja, esgotamento mental causado pelo excesso de trabalho), aumento do rendimento em relação ao mesmo período dos anos anteriores.

Ressalte-se que a redução da jornada semanal de trabalho não afeta os salários dos empregados na proporção da redução da jornada de trabalho. A experiência do Reino Unido demonstrou que a flexibilidade, a melhoria da qualidade de vida dos colaboradores e a promoção do bem-estar no trabalho contribuem positivamente para o resultado das empresas. A produtividade dos funcionários resceu na mesma proporção da redução da jornada, de forma que a produção em 4 dias igualou à que era realizada antes, na jornada de trabalho de 5 dias e, em alguns casos, até aumentou. Outro benefício da experiência foi aumentar a propensão à retenção de talentos, sendo o equilíbrio entre vida pessoal e profissional um dos fatores que mais contribui para demissões e mudanças de emprego.

Na jornada de trabalho reduzida, assim como em modelos de trabalho híbrido ou remoto, a pegada de carbono da empresa também diminui e o meio ambiente ai ganhando, pois os colaboradores não precisam se deslocar todos os dias ao local de trabalho. Em cidades grandes, esse benefício é ainda mais percebido, pois é comum os trabalhadores gastarem horas preciosas de seus dias no transporte público, o que também contribui para aumentar o nível de estresse associado à atividade profissional.

Mas a jornada de trabalho reduzida também vem acompanhada de alguns desafios quando se considera o objetivo de manter o nível de produção. O principal deles é conciliar todas as tarefas em 4 dias na semana, principalmente em momentos de alta de demanda ou em posições que requerem uma dedicação maior de horas para produzir o necessário. É importante também não criar regras muito diferentes dentro da mesma empresa para quem pode ou não adotar a jornada de trabalho reduzida. O ideal é que todos os trabalhadores possam usufruir do mesmo benefício, com adaptações necessárias a cada cargo e responsabilidade.

Trabalhadores informais ou autônomos também encontram barreiras ao implementar esse modelo, especialmente aqueles que recebem por prestração de serviço. Motoristas de aplicativo e entregadores são um exemplo de profissionais que ganham pelos minutos/horas trabalhados, mas hoje carecem de uma regulamentação justa das relações que mantêm com as empresas, ficando submetidos à superexploração em função da desregulamentação, com jornadas diárias de trabalho que chegam a 16 horas diárias.

Os testes de jornada de trabalho reduzida estão começando a ser feitos no Brasil, envolvendo no momento 21 emrpesas. Em breve teremos dados mais detalhados sobre a adoção desta prática no Brasil e os próximos passos para sua disseminação. A legislação trabalhista brasileira prevê uma jornada máxima de 44 horas semanais e 8 horas diárias, mas não limita a jornada de trabalho mínima. Judicialmente, não há nenhuma trava legislativa atual para a implementação da jornada reduzida. A maior mudança será cultural e de adaptação. Projeto do senador Paulo Paim (PT-RS), em tramitação no Congresso Nacional, propõe a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais.