Embora as centrais sindicais pareça indiferente à luta pela redução da jornada na atual conjuntura, outras iniciativas em defesa desta bandeira histórica da classe trabalhadora têm surgido, entre eles o movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que conta com grupos regionais em todos os estados do Brasil e no Distrito Federal
Por Anna Dulce
Em setembro de 2023, o ex-balconista de farmácia Ricardo Azevedo publicou um vídeo em sua conta do TikTok após ser procurado por sua chefe durante sua folga. Na ocasião, a mulher pediu que Ricardo entrasse mais cedo no trabalho no dia seguinte, o que, consequentemente, diminuiria seu período de descanso.
No conteúdo postado nas redes sociais, o influenciador expressou sua insatisfação com esse tipo de escala trabalhista, comum no setor de serviços e, em seguida, outras pessoas reclamaram de situações semelhantes, trazendo à tona o Movimento VAT (Vida Além do Trabalho).
O movimento, que pede a revisão da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o fim da escala 6×1 – seis dias de trabalho e um de folga – ganhou força ao longo dos últimos meses, recebendo, inclusive, apoiadores importantes da política.
Vida e trabalho
Segundo seus representantes, a escala em questão é exaustiva e não permite um equilíbrio saudável entre vida profissional e pessoal. Eles são apoiados por nomes como os deputados federais Glauber Braga (Psol-RJ) e Érika Hilton (Psol-SP), que defendem a redução da jornada de trabalho.
Atualmente, o Movimento VAT conta com grupos regionais em todos os estados do Brasil e no Distrito Federal, um canal no Telegram, e um espaço para receber histórias anônimas de trabalhadores sujeitos à escala 6×1.
O grupo também criou uma petição pública on-line para levar o debate à Câmara Federal. Até o momento, o documento conta com mais de 500 mil assinaturas. “A carga horária abusiva imposta por essa escala de trabalho afeta negativamente a qualidade de vida dos empregados, comprometendo sua saúde, bem-estar e relações familiares. É imperativo que sejamos capazes de debater estratégias para melhorar as condições de trabalho dos brasileiros. […]”, diz um de seus trechos.
Tempo livre e saúde
“Em um mundo cada vez mais conectado e com avanços tecnológicos, devemos reavaliar as práticas de trabalho que afetam a saúde e o equilíbrio entre vida profissional e pessoal”, diz um trecho da petição”, acrescenta.
Entre as principais propostas de ação do VAT, expostas na petição, estão a revisão da escala de trabalho 6×1 e a implementação de alternativas que promovam uma jornada de trabalho mais equilibrada, permitindo que os trabalhadores desfrutem de tempo para suas vidas pessoais e familiares, e a fiscalização rigorosa para garantir o cumprimento das novas regulamentações trabalhistas e a punição de empresas que desrespeitarem os direitos dos trabalhadores.
O grupo também pede um debate público aberto e transparente, envolvendo representantes dos trabalhadores, empregadores e especialistas em direitos laborais, para encontrar soluções viáveis e justas que melhorem as condições de trabalho no Brasil, e a criação de políticas de proteção ao trabalhador que incluam o direito a férias regulares, licença parental, limitação de horas extras, entre outras medidas que promovam a saúde física e mental dos empregados.
Maior produtividade e bem estar
De acordo com Marcos Mendanha, médico do trabalho e autor do livro “O que ninguém te contou sobre Burnout”, “é fato que a redução da carga horária semanal de trabalho pode resultar em mais energia, disposição, produtividade e bem estar”. O especialista acredita, no entanto, que, “se a diminuição da carga de tarefas não for proporcional aos novos dias de trabalho efetivo, o resultado é inverso, ou seja, produz mais cansaço e estresse”.
Mendanha explica, por exemplo, que se a carga semanal estava distribuída para 6 dias e a jornada de trabalho for reduzida para 4 dias com a mesma carga de trabalho, a conta não fecha: “O trabalhador, nesse caso, terá que fazer tudo que fazia em 6 dias, agora em 4 dias. Isso gera sobrecarga de trabalho, um dos fatores que mais promovem Burnout e adoecimentos mentais no contexto ocupacional”.
O que fazer com a folga
O especialista questiona, ainda, o que os trabalhadores brasileiros fariam com esses novos um ou dois dias de folga por semana a longo prazo: “Essa pergunta importa pois nada garante que, por diversas e compreensíveis demandas, novos vínculos profissionais sejam pactuados nesses dias que ficarão ociosos”.
Um exemplo disso, aponta, é a área da saúde, onde os trabalhadores são beneficiados com tempo de descanso maior proporcionado pela chamada “jornada 12×36”: “Ocorre que para muitos desses trabalhadores, esse tempo maior para o descanso se torna um estímulo para assumir novos trabalhos. Resultado: se antes o cansaço era por um emprego, agora ele vem por dois ou mais. Esse é um ponto extremamente importante a ser refletido sobre o movimento”.
Por fim, Mendanha reforça que qualquer mudança exige preparação e treinamento prévio. Isso porque, ao reduzir a jornada de trabalho, é necessário preparar todos os funcionários para uma mudança significativa. Para ele, essa preparação exige reestruturação na carga de trabalho, otimizando os processos com consequente diminuição do tempo exigido para cada um deles. Quando tudo isso acontece de forma eficaz e integrada, declara, os resultados tendem a ser muito positivos.