É o que propõe Mônica Monteiro Klein, bióloga, especialista em Administração de Empresas com ênfase em Meio Ambiente pela FGV e mestre pela ESCAS – Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade. Ela redigiu e lançou o livro com a instigante pergunta “Reduzir a jornada de trabalho para ajudar nosso planeta?”, editado pela Matrix, no qual aborda as relações entre redução da jornada de trabalho, bem estar social, consumismo e preservação ambiental.
Na entrevista a seguir, concedida ao IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), a cientista fala sobre como surgiu o interesse pelo tema, os paralelos que traçou e a situação atual deste conceito no Brasil.
O assunto “Redução na Jornada de Trabalho” faz parte de uma discussão latente no Brasil. Como surgiu seu interesse pelo tema?
M: O tema despertou minha atenção pela primeira vez ao entrar no site da New Economics Foundation e me deparar com o artigo “21 hours: why a shorter working week can help us all to flourish in the 21st century”. Este artigo trazia uma série de justificativas interessantes em defesa da redução da jornada de trabalho, tendo como base principalmente experiências e dados obtidos de países desenvolvidos, especialmente Reino Unido.
Com base no artigo da New Economics Foundation (NEF), como o princípio da Economia Ecológica defende a ideia da redução da jornada de trabalho?
Antes de tudo, é importante salientar que a New Economics Foundation (NEF) é uma Think Tank que busca desenvolver propostas econômicas que estejam fortemente vinculadas à promoção do bem estar e desenvolvimento sustentável. A Economia Ecológica, por sua vez, é uma abordagem que surgiu da necessidade de se pensar a economia dentro de um modelo ecologicamente sustentável, considerando os limites biofísicos do nosso planeta. Pode-se dizer que a NEF absorve os princípios da Economia Ecológica no sentido mais fundamental, ao sustentar a necessidade de integrar as dimensões sociais, ambientais e econômicas de uma maneira harmoniosa, equilibrada. A NEF propõe a diminuição da jornada de trabalho para 21 horas semanais, alegando que isso ajudaria a resolver problemas como excesso de trabalho, desemprego, consumismo, elevadas emissões de carbono, bem-estar reduzido, desigualdades, falta de tempo para viver de forma sustentável e para cuidar de si e dos outros ou simplesmente para aproveitar a vida. Com mais tempo livre, eles acreditam que as pessoas conseguiriam se desapegar do ciclo de “trabalhar para ganhar e ganhar para consumir” e usariam o tempo para se dedicar a atividades que lhes proporcionasse maior bem estar, tais como ficar mais tempo com a família, praticar atividades físicas, desfrutar de espaços públicos, contemplar a natureza, enfim, atividades que não necessariamente estão vinculadas aos interesses do mercado e que são menos dependentes do uso intensivo de carbono e de outros recursos naturais.
O seu livro é dividido em 6 capítulos independentes, correto? No terceiro, quando você fala da Jornada de Trabalho e o bem estar social, há a abordagem na formação da sociedade de consumo. Você pode traçar um paralelo entre trabalho, bem estar social e consumismo?
Sim. O interessante desse tema é que estes três fatores podem estar interligados de várias formas. O trabalho interfere diretamente no nosso bem estar. Se estamos estressados, sobrecarregados ou se o trabalho nos deixa pouco tempo de sobra para outras atividades, toda nossa experiência de vida é afetada. Isso ocorre tanto por uma questão temporal, ou seja, pela limitação de tempo imposta pela jornada de trabalho, que nos impede de fazer outras coisas de que gostamos e que nos agregam bem estar; quanto pela própria qualidade de tempo que nos é destinada, uma vez que passamos a tomar decisões sobre o que fazer no tempo livre com base em uma necessidade de otimizar este tempo, de compensar o tempo “perdido” no trabalho. Essa interferência do trabalho na quantidade e qualidade de tempo que nos resta fora dele tem favorecido um comportamento de consumo que não é apenas autodestrutivo emocionalmente, mas também extremamente prejudicial ao planeta. Saímos do trabalho ansiando por um momento de liberdade, de relaxamento, de prazer, mas não temos tempo suficiente para refletir sobre quais opções são as melhores para preenchermos este tempo livre. Ao mesmo tempo, somos constantemente bombardeados por propagandas que associam o bem estar e o prazer à aquisição de bens materiais, à nossa aparência e ao nosso poder de compra. Como resultado, estamos consumindo cada vez mais, tentando atingir um ideal, um estilo de vida mediado por coisas e não por relações e, obviamente, continuamos nos sentindo insatisfeitos e vazios. Sem contar que este estilo de vida caro nos exige cada vez mais tempo de trabalho, que agora também ocupa nosso tempo livre. Chegamos a um ponto de diluição de fronteiras entre tempo livre e tempo de trabalho e com o avanço da tecnologia, essas fronteiras tendem a ser tornar ainda menos claras. Todo esse ciclo vem sendo convenientemente sustentado por nosso modelo econômico, que obcecado por crescimento e riqueza, ignora os altos custos sociais e ambientais envolvidos.
Sobre o desenvolvimento sustentável, de que forma a jornada de trabalho influencia na preservação ambiental?
Um tempo de trabalho que se sobrepõe aos outros tempos sociais, isto é, que restringe o tempo para a realização de outras atividades, sejam elas culturais, religiosas, esportivas, artísticas, políticas, entre outras, também termina por comprometer nosso envolvimento mais ativo com outros assuntos que nos dizem respeito e que afetam nossa qualidade de vida. Isso inclui, obviamente, atividades e decisões com relação ao meio ambiente. Com um ritmo de vida voltado para o trabalho, nossas prioridades mudam. Ficamos mais preocupados com planejamentos em curto prazo, com atividades que poupem tempo e que nos permitam cumprir nossa agenda, mais do que decisões cujos resultados são de médio a longo prazo, que é onde se encaixam principalmente aquelas voltadas para a preservação ambiental. Então, entre comprar um alimento pré-preparado com elevado nível de sódio que demora apenas 10 minutos pra ficar pronto, ou comprar ingredientes frescos na feira local, que vão trazer benefícios à sua saúde, mas que exigem uma dedicação de tempo um pouco maior, o produto congelado acaba levando vantagem. E o mercado tem explorado muito esse consumidor acelerado, infelizmente sem levar em conta o meio ambiente e o bem estar desse mesmo consumidor. Vemos cadeias de fast food se espalhando, com cardápios pouco saudáveis e muitas embalagens. Eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos que prometem poupar tempo, mas cuja manutenção é cara ou mesmo inviável, compelindo o consumidor a uma forçosa substituição desses produtos. Uma multiplicação de centros de consumo onde é possível encontrar de tudo em um único lugar, e onde somos induzidos a comprar além do que necessitamos. E o próprio espaço urbano, que tem priorizado mais o “lazer” privado, mercantilizado, em detrimento de espaços abertos e arborizados, onde poderíamos fazer atividades ao ar livre e nos conectarmos mais com a natureza.
A redução na Jornada de trabalho está sendo testada em alguns países europeus. Você acredita no sucesso se transportarmos este modelo para o Brasil?
Muitos países vêm reduzindo a jornada de trabalho, sendo o exemplo mais conhecido o da França, com a redução para 35 horas semanais, ocorrida em 1998. É difícil, no entanto, prever resultados para o Brasil por algumas razões. Primeiro porque antes de se importar um modelo, é preciso que ele tenha sido bem sucedido, certo? Acontece que a principal a razão por trás das políticas de redução jornada realizadas nos países europeus foi a ampliação de empregos, ou seja, uma questão muito mais de sustentabilidade econômica do que de sustentabilidade ambiental. E para esse objetivo, até agora os resultados se mostraram controversos e aquém das expectativas. Além disso, mesmo em se tratando de um modelo de redução da jornada de trabalho que tenha a sustentabilidade ambiental como foco, como o da NEF, por exemplo, é preciso ter um olhar crítico bastante forte. Não podemos esquecer que o Brasil é um país em desenvolvimento com uma série de características que o diferenciam dos países desenvolvidos que foram analisados para o modelo. Temos um mercado consumidor em crescimento, um aumento de poder de compra e uma classe média em plena expansão, pontos vistos com otimismo pelos economistas ortodoxos. Mas ainda prevalece no país uma forte desigualdade social, má distribuição de renda, falta de educação financeira e um planejamento das cidades que privilegiam as classes mais favorecidas e que negligenciam espaços públicos gratuitos ao mesmo tempo em que restringem a população de baixa renda ao acesso a programas culturais e de lazer de qualidade. Essas e outras características presentes no país podem ser grandes barreiras para que um modelo de redução de jornada de trabalho possa ser eficaz como estratégia para uma economia mais sustentável e mais justa. Antes de termos tempo livre, precisamos saber o que fazer com este, do contrário iremos apenas perpetuar os mesmos hábitos de sempre. Se não formos orientados para um melhor uso do tempo, se não tivermos opções de lazer de qualidade que não sejam apenas estratégias de negócios, e se não soubermos o que é realmente importa para sermos felizes, nenhuma proposta de diminuição de jornada de trabalho por si só será bem sucedida.
Qual seria o próximo passo para o avanço deste “novo comportamento” no Brasil?
Eu acredito que ainda estamos em uma zona de conforto muito grande. As defesas ou críticas em torno da redução da jornada no Brasil tem se mostrado muito subjetivas, superficiais. Isso ocorre porque existe uma lacuna muito grande de estudos práticos que giram em torno dos efeitos da jornada de trabalho sobre o comportamento de consumo, bem estar e meio ambiente. Diante de uma falta de dados nos quais se apoiar, não é surpresa que a defesa da redução da jornada seja defendida ora como estratégia de redução de consumo, por ambientalistas, sociólogos e economistas ecológicos aqui no Brasil, e ora como estratégia de aumento de consumo, por políticos, economistas ortodoxos e sindicalistas. Então, o passo mais importante que eu vejo é criarmos condições mais palpáveis para que essas discussões aconteçam, ou seja, começarmos a realizar mais estudos sobre o tema aqui no Brasil, a partir de metodologias já reconhecidas e que possam ser aplicadas no nosso contexto. Daí poderíamos então pensar em um modelo que atenda às nossas necessidades, que seja viável e que nos coloque na direção certa para uma transição sustentável.