Como as nações podem conciliar o desenvolvimento econômico com a saúde e a segurança do trabalhador?
Por Caio Gonçalves*
Como os Estados podem agir, de forma mais eficiente, para reduzir a persistência dos acidentes de trabalho, conciliando o desenvolvimento econômico de um país com a garantia dos direitos humanos fundamentais à vida e à dignidade humana?
Será feita uma sucinta apresentação do atual cenário trabalhista mundial, mostrando a necessidade de uma maior atuação dos governos, uma vez que parece ineficaz a atuação destes em conciliar o desenvolvimento econômico com a saúde e a segurança do trabalhador que são direitos humanos fundamentais, de acordo com a OIT.
Para compreender a ocorrência dos frequentes acidentes laborais que ocorrem em diferentes nações é necessário retomar a origem da intensidade desses tipos de acidentes. Assim será trabalhado o surgimento da Revolução Industrial, o aumento significativo dos graves acidentes e, inúmeras vezes, das consequentes mortes em diferentes atividades e como os países lidaram com isso ao longo do tempo, ou seja, os avanços nas leis trabalhistas.
Outrossim, além da evolução dos direitos trabalhistas, será trabalhado como o Estado atua de forma ineficiente na segurança do trabalhador, a exemplo do pouco suporte fornecido aos auditores fiscais do trabalho. Acresça-se a isso, a essencialidade e a indispensabilidade da análise da jornada exaustiva de trabalho como um dos fatores majoritários para a ocorrência dos acidentes laborais, uma vez que o bem-estar e a segurança do trabalhador são banalizados em prol da produtividade e do lucro por parte de muitas empresas, o que se percebe em boa parte das nações.
Levando todos esses fatores em consideração, surge o seguinte questionamento: como os Estados podem agir, de forma mais eficiente, para reduzir a persistência dos acidentes de trabalho, conciliando o desenvolvimento econômico de um país com a garantia dos direitos humanos fundamentais à vida e à dignidade humana? É esse o cerne do problema e o qual se propõe soluções.
Introdução
O filósofo Zigmunt Baumann, em sua obra Amor Líquido, expõe a falta de solidez nas relações sociais, políticas e econômicas vividas no século XXI. Diante disso, há diversos aspectos que necessitam da atenção do governo e da pactuação social e política de forma mais consolidada a fim de promover o bem-estar da sociedade. Em destaque, registra-se a questão da necessidade de uma atuação mais eficiente dos Estados em geral em conciliar o desenvolvimento econômico do país com a segurança e a saúde do trabalhador que são direitos humanos fundamentais, uma vez que, de acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 2,3 milhões de pessoas morrem no mundo por acidentes de trabalho a cada ano, o que deixa não só mazelas econômicas, a exemplo de um prejuízo de 4% do PIB, mas principalmente mazelas emocionais e sociais. Estas muitas vezes são irreparáveis .
Para compreender a ocorrência dos freqüentes acidentes laborais que ocorrem em diferentes nações é necessário retomar a origem da intensidade desses tipos de acidentes. Até meados de 1760 os modos de produção prevalecentes eram a manufatura e o artesanato, onde não havia uma forte divisão do trabalho com a formação de aglomerações em ambientes insalubres e os equipamentos utilizados eram simples. Todavia, com a Revolução Gloriosa, o acúmulo de capitais, a modernização da agricultura e com a mão de obra farta e barata, a Inglaterra tornou-se a pioneira de uma série de mudanças no modo de produzir e de pensar nesse período, ou seja, coube a essa nação a titularidade do que chamaríamos de Revolução Industrial, a qual se propagou para os demais países da Europa e para o restante do mundo.
Com o advento da Revolução Industrial, máquinas cada vez mais complexas surgiram, a exemplo da utilização de máquinas a vapor que, acrescidas de uma exaustiva jornada de trabalho, em média de 14 horas, podendo chegar a 16 horas, o número de acidentes e de mortes no trabalho aumentou consideravelmente, violando direitos humanos fundamentais, como o direito à vida e a integridade física e psíquica, ou seja, o direito à dignidade. Outrossim, além da exaustão que aumentava os riscos já iminentes de acidentes laborais, uma vez que o indivíduo deixava de gozar plenamente de suas capacidades mentais, muitos trabalhadores decidiam limpar as máquinas ainda em funcionamento, uma vez que o intervalo de descanso era destinado para o processo de manutenção do equipamento, o que ocasionava mutilações e perdas de membros, como relata Engels em seu livro "A Situação da Classe Trabalhadora da Inglaterra". É importante destacar que a expectativa de vida era reduzida também por inúmeras doenças respiratórias ocasionadas pelo contato frequente com a emissão de fumaça pelas máquinas.
Diante dessas calamidades, intensas foram as lutas e protestos dos operários por direitos e melhorias nas condições de trabalho, a exemplo do cartismo, movimento em que trabalhadores coletavam milhares de assinaturas em fábricas e associações que eram entregues com as exigências, como o fim do voto censitário e o pagamento aos deputados para que os trabalhadores também pudessem se eleger, ao Parlamento que, infelizmente, as negavam. Todavia, devido ao contexto histórico-social e graças à forte pressão da classe trabalhadora, a Inglaterra, pioneira das transformações ocorridas no século XVIII, também se tornou a primeira a se preocupar de fato com a segurança do trabalho por intermédio da atuação do parlamento britânico em aprovar a Primeira Lei de Proteção dos Trabalhadores em 1802 que estabelecia a obrigação do direito de saúde e moral de aprendizes:
"Estabelecia o limite de 12 horas de trabalho por dia; proibia o trabalho noturno, obrigava os empregadores a lavar as paredes das fábricas duas vezes por ano e tornava obrigatória a ventilação do ambiente". Destarte, a primeira lei que realmente teve eficiência na proteção ao trabalhador foi a de 1833, a "Factory Act" ou Lei das fábricas que limitava o trabalho dos maiores de 18 anos para 12 horas por dia. Assim, com o tempo o país foi desenvolvendo leis cada vez mais eficazes, evoluindo cada vez na garantia dos direitos humanos, tornando-se hoje um exemplo de seguridade no âmbito trabalhista.
A Revolução Industrial ocorrera de forma diferente no restante do mundo, assim como a forma que as nações lidaram com a segurança no ambiente laboral. No Brasil, por exemplo, esse processo surgiu de forma tardia, em meados de 30 e, por esse motivo, em 40 anos o país aduziu um dos maiores índices de acidentes e de mortes no trabalho do mundo. Foi somente com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) criada durante o governo de Getúlio Vargas que houve uma evolução de fato na garantia da segurança do trabalhador e que fora complementada em 1978 pela criação das normas regulamentadoras, onde fica estabelecido a obrigação do cumprimento da empresa no que se refere, por exemplo, ao fornecimento de equipamentos pessoais de segurança e de treinamentos especializados.
Todavia, apesar de o país dispor de mecanismos jurídicos que garantam a segurança laboral, a exemplo de tais normas regulamentadoras que representam um avanço para os direitos trabalhistas, mostra-se explícita a ineficiência do Estado brasileiro em comunicar às comunidades em geral sobre a existência de tais prerrogativas jurídicas as quais os trabalhadores podem exigir o seu cumprimento por parte da empresa que diversas vezes não cumpre com a sua função de garantir a segurança do trabalhador prevista na lei, violando, pois, o direito à vida e à dignidade, ou seja, direitos humanos fundamentais. Isso corrobora para a persistência das freqüentes mortes por acidente por ano (cerca de 4 mil por ano e 1 acidente a cada 48 segundos, de acordo com dados da OIT). Alem disso, de acordo com a Organização, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking dos países com os maiores índices de acidentes.
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Fonte: Migalhas
*Graduando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, 8° período (UFPE). Pesquisador, estagiário do Ministério Público do Trabalho (MPT-PE) e membro da Comissão da Promoção da Igualdade Racial OAB-CE.