Mesmo com uma pauta de imenso apelo popular, o Congresso Nacional vai e vem no tema de forma tímida e muito cautelosa, por causa do forte lobby dos grandes capitalistas
A escala 6 por 1 é uma escala absolutamente inumana e isso é inquestionável. E as discussões entre o tempo de trabalho e o tempo livre pra vida humana não são novas. Isso me faz lembrar de um trecho de ética protestante no espírito do capitalismo de Max Weber, onde ele aborda uma questão muito curiosa que aconteceu no passado, que era a questão de que os senhores de terras pagavam os trabalhadores por tarefa e, evidentemente, como fazendas fazem, geram muito lucro. Ao gerar mais lucro, muitos desses donos de terra pensavam em aumentar o pagamento por tarefa para trabalhadores, porque assim como máquinas, eles deveriam trabalhar mais porque recebem mais. Curiosamente algo acontece, diz Max Weber, completamente inesperado. E foi uma grande lição. No momento em que os trabalhadores começavam a receber mais, ao invés de trabalhar o dobro, eles trabalhavam a mesma quantidade, significando que eles ganharam correspondente ao lucro que geravam, mas poderiam viver melhor.
Exemplo histórico que demonstra como o ser humano prioriza o tempo livre e qualidade de vida. Curiosamente, e da forma mais perversa possível, o fim da história não é bom. Ao notar que alinhando o salário ao lucro produzido, os trabalhadores não trabalhavam mais, eles trabalhavam menos, os senhores de terras decidiram diminuir os salários, porque ao diminuir os salários, você força a pessoa a ter que trabalhar mais. Ela precisava trabalhar o dobro para ganhar a mesma coisa. E por isso manter os salários baixos se tornam um mecanismo para aumentar a produtividade. Um exemplo muito triste que Max Weber traz e conclui dizendo que o ser humano quer viver.
Mesmo com uma pauta de imenso apelo popular, o Congresso Nacional vai e vem no tema de forma tímida e muito cautelosa, por causa do forte lobby empresarial, capitaneado pelos grandes capitalistas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) conseguiu mais de 170 assinaturas para começar a tramitar. Ao mesmo tempo, no Senado, existe uma outra proposta, apresentada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), em 2015. O texto foi discutido na semana passada na Comissão de Constituição e Justiça e já tem relatório finalizado pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE), mas nada avançou e o que foi aprovado foi a realização de audiências públicas com o setor produtivo.
Atualmente, a Constituição estabelece que a jornada deve ser de até 8 horas diárias e até 44 horas semanais, o que viabiliza o trabalho por seis dias com um dia de descanso. Já a PEC da deputada do Psol, prevê duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 36 horas semanais o que resultaria quatro dias trabalhados para três dias de descanso. A proposta que tramita no Senado estabelece também uma jornada de 36 horas que devem ser cumpridas em cinco dias de trabalho sendo que mas estabelece uma transição gradual no primeiro ano com 40 horas semanais e em quatro anos chega a 36 horas trabalhadas semanalmente.
A extrema-direita e parte da direita já se colocaram contra a proposta. No requerimento de convocação de audiência pública, o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) disse que a discussão e a possibilidade de redução da escala de trabalho seria uma excrescência, porque para ele todo o trabalho dignifica o homem. “Nós temos um país que precisa de crescer e só há crescimento se houver trabalho. Em democracias sérias como Estados Unidos e Japão trabalham até a exaustão para verem a prosperidade, a riqueza e tudo mais. Para mim, para nós do PL inclusive, o maior método de trabalho social ou de ação social que o governo possa fazer para o ser humano é dar a ele trabalho”, afirmou o deputado.
As pessoas querem mais tempo para elas e para as suas famílias, para investirem tempo no que importa para elas. Estudo produzido pela Sandbox, empresa especializada em data & analytics para o setor de saúde, mostrou um aumento expressivo no consumo de medicamentos voltados para a saúde mental no Brasil. Entre agosto de 2022 e o mesmo mês do ano passado, o uso de antidepressivos aumentou 18,6%. A pesquisa analisou uma base de 616.101 usuários distintos dos quais 21% (129.072) utilizaram medicamentos voltados para a saúde mental.
Em outro levantamento do Conselho Federal de Farmácia (CFF) de 2023 apontam que a venda de medicamentos antidepressivos e estabilizadores de humor cresceu cerca de 58% entre os anos de 2017 e 2021.
Um dos únicos parlamentares declaradamente a se manifestar a favor da proposta foi o senador Cleitinho (Republicanos-MG). Ele também contou um testemunho de como o pai dele foi ausente por falta de tempo. Segundo ele, para levar o sustento para casa, o pai trabalhava todos os dias. Em seu discurso no Senado ele ainda falou que o trabalho deve ser valorizado. “Já passaram todas as reformas que precisavam passar dizendo que o país iria melhorar. Porque não pode ter algo que beneficia o povo? Que fique claro aqui. Fonte de riqueza é o trabalhador, é o empreendedor e o empresário. Fonte de despesa somos nós, a classe política”, afirmou o senador.
Na época da apresentação da PEC pela deputada Erika Hilton, quando o assunto ganhou as redes sociais, grande parte do setor produtivo, entidades de classe e confederações nacionais se manifestaram e alguns empresários chegaram a falar que o país iria quebrar com a mudança do horário de trabalho. Sendo bem simplista nesse raciocínio, os latifundiários da época do império também falavam que a abolição da escravidão iria quebrar a economia do país. A abolição só aconteceu por conta da possibilidade de uma reforma agrária, assunto mais sensível aos latifundiários que controlavam o Senado do Império na época.
O debate sobre a repartição das terras nacionais havia sido proposto pelo abolicionista André Rebouças, engenheiro negro de grande prestígio. Sua ideia era criar um imposto sobre fazendas improdutivas e distribuir as terras para ex-escravos. O político Joaquim Nabuco, também abolicionista, apoiou a ideia. Já fazendeiros, republicanos e mesmo abolicionistas mais moderados ficaram em polvorosa.
Algo parecido aconteceu com o 13º salário em 1962, quando ele foi criado. A reação aqui veio de empresários e é o padrão que nós vemos agora quando se fala em garantir direitos e melhores qualidade de vida para o trabalhador.
É preciso refletir com muita atenção. O trabalhador não trabalha só 44 horas semanais. Existe o tempo de deslocamento de grandes cidades, jornadas exaustivas de trabalho sem remuneração, conforme previsto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e assédios no ambiente de trabalho.
Como o senador Cleitinho disse. A classe política, em todas as suas esferas (Executivo, Legislativo e Judiciário) são fontes de despesa para o estado e para o cidadão. Nos últimos 30 anos, nos parlamentos, o que se vê são pessoas tirando vantagem de uma posição de poder atuando em causa própria com o dinheiro público. Esse discurso parece clichê, mas não é preciso imprimir novas palavras ou argumentos para relatar a realidade. É possível até citar inúmeros casos, mas esse comportamento não é novidade para ninguém.
De todo modo, a avaliação do trabalho de deputados e senadores sempre foi baixa. Pesquisa Datafolha, divulgada em março do ano passado, mostrou que o Congresso Nacional tem avaliação positiva de apenas 22% do eleitorado e 53% consideram o trabalho do Legislativo regular. Esta foi a melhor avaliação em 21 anos. Há algo de errado, porque existem outros 26 legislativos estaduais, um distrital e 5.571 legislativos municipais.
Por fim, chego ao também repetitivo discurso de que é preciso acompanhar de perto os parlamentares que recebem nossos votos e também os que não receberam, mas conquistaram uma cadeira no parlamento. Porque para o trabalhador e qualquer cidadão ter uma melhor qualidade de vida é preciso ficar em cima e exigir um bom trabalho.
O fim da escala 6X1 é um pode se consolidar em breve, mas a depender de muitos políticos e do lobby das grandes empresas a pauta continuará travada na Câmara e no Senado. A mobilização da classe trabalhadora, nas ruas e nas redes sociais, pode mudar este cenário, porque não devemos esquecer que hoje o maior medo da classe política são as redes sociais e o povo na rua.