Proposta do senador Paulo Paim (PT-RS) reduz carga semanal de forma gradual e sem corte de salários; defensores apontam ganhos para saúde mental e geração de empregos, mas empresários não querem 

Por Sales Coimbra

Nas últimas décadas, o Brasil tem caminhado por um campo minado de dilemas trabalhistas. Entre a busca por maior produtividade e o direito ao descanso digno, o ritmo acelerado da vida profissional, somado às transformações tecnológicas e sociais, tem reacendido uma antiga discussão: afinal, quanto tempo devemos dedicar ao trabalho para garantir bem-estar sem comprometer a economia? É nesse contexto que retorna ao centro do debate político a proposta de redução da jornada semanal para 36 horas sem diminuição de salários.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 231/1995 voltou à pauta do Senado Federal com força renovada. Em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), realizada na última terça-feira (8), representantes do governo, movimentos sociais e especialistas se reuniram para discutir os possíveis impactos da medida, que promete reconfigurar as relações de trabalho no país.

Apresentada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), a PEC prevê uma redução gradual da jornada atual de 44 horas semanais para 36, com diminuição de uma hora por ano, até atingir o novo limite. A proposta não prevê corte salarial e ainda garante dois dias de descanso por semana.

Parecer favorável

O relator da matéria, senador Rogério Carvalho (PT-SE), emitiu parecer favorável à aprovação. Ele argumenta que a medida é uma resposta necessária aos desafios contemporâneos do mundo do trabalho. “É uma atualização necessária das relações de trabalho, que pode contribuir para o bem-estar físico e mental dos brasileiros, além de estimular a geração de novos empregos”, defendeu.

Entre os participantes da audiência, estiveram Shakti Prates Borela, auditora fiscal do Ministério do Trabalho, Abel Santos, coordenador do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT) no Distrito Federal, e Rick Azevedo, fundador da mesma iniciativa. Parlamentares como Erika Hilton (PSOL-SP) e Reginaldo Lopes (PT-MG) também marcaram presença, ao lado de representantes do Ministério das Mulheres.

A principal tese dos defensores da PEC é que a redução da jornada, sem cortes salariais, pode ser uma ferramenta eficaz contra o desemprego estrutural no país. De acordo com o IBGE, embora a taxa de desocupação tenha recuado nos últimos trimestres, milhões de brasileiros — sobretudo jovens, mulheres e negros — ainda enfrentam dificuldade para se inserir no mercado.

Experiência internacional

Os argumentos favoráveis ganham força com experiências bem-sucedidas em outros países. No Reino Unido, um experimento realizado em 2022 com 61 empresas reduziu a semana de trabalho para quatro dias, sem alterar salários. O resultado? Maior produtividade, queda no estresse e redução de afastamentos por doenças mentais.

Experiência semelhante foi conduzida na Islândia, entre 2015 e 2019, com efeitos igualmente positivos. Lá, os trabalhadores relataram mais satisfação pessoal e equilíbrio entre vida profissional e familiar — tudo isso sem prejuízos na eficiência.

Qualidade de vida e produtividade

Esses exemplos internacionais reforçam a tese de que menos horas de trabalho não significam necessariamente queda na produtividade. Ao contrário, podem representar um salto na qualidade de vida e na motivação dos trabalhadores.

Apesar do otimismo de parte da sociedade civil e da base parlamentar que apoia a medida, setores empresariais manifestaram preocupação. Confederações como a CNI (Indústria) e a CNC (Comércio) alertaram para os possíveis aumentos de custos e os desafios operacionais que a nova configuração pode gerar.

Empresários contra

Empresários argumentam que setores que exigem operação contínua podem ser particularmente afetados. No entanto, especialistas em economia do trabalho sustentam que uma implementação gradual, aliada a incentivos, pode suavizar os impactos negativos e até gerar novos postos de trabalho.

Para o relator Rogério Carvalho, essa é uma chance histórica de o Brasil se alinhar às tendências globais. “A transição para jornadas mais curtas pode abrir espaço para novas contratações, o que ajudaria a reduzir o desemprego e distribuir melhor as horas de trabalho disponíveis”, afirmou.

O Movimento Vida Além do Trabalho tem sido uma das vozes mais ativas na defesa da PEC. Seus representantes argumentam que a redução da jornada também é uma pauta de saúde pública e de justiça social. “Trabalhar menos horas é uma forma de combater o burnout, promover a igualdade de gênero — já que muitas mulheres acumulam dupla jornada — e garantir mais tempo para cuidados pessoais, estudos e convivência familiar”, destacam os coordenadores.

A proposta também pode beneficiar os trabalhadores informais e autônomos, desde que acompanhada de políticas públicas específicas para esse grupo, que representa cerca de 40% da força de trabalho nacional.

Perspectiva

A PEC 231/1995 ainda precisa passar por outras comissões e ser aprovada em dois turnos tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, com apoio de pelo menos três quintos dos parlamentares em cada Casa.

Mesmo enfrentando resistências, a medida surge como símbolo de um novo olhar sobre o mundo do trabalho. Em tempos de transformações tecnológicas aceleradas, inteligência artificial e novos modelos produtivos, a discussão sobre o uso do tempo ganhou novas camadas — e, mais do que nunca, o bem-estar dos trabalhadores passou a ser visto como um ativo social e econômico.