A ocupação da CIPLA pelos trabalhadores foi uma experiência riquíssima que está cravada na história do movimento operário nacional e pode municiar o voto favorável do Congresso Nacional sobre a redução da jornada de trabalho
Por Jane Becker e Carlos Castro*
Com a manifestação de entidades de classe burguesa que pedem a derrubada do Projeto de Lei 1105/23 em trâmite no Congresso Nacional sobre a redução da jornada de trabalho sem redução de salário, nos sentimos provocados e na obrigação de expor a experiência ocorrida na CIPLA, em Joinville/SC, quando a fábrica estava sob o controle dos trabalhadores. Ao reduzir a jornada para 30 horas semanais, a autogestão sofreu ataques violentos do aparelho do Estado levando à destruição da gestão operária. Porém, a experiência foi marcante e histórica por quase cinco anos.
A burguesia nacional tem um comportamento tacanho como a ELITE DO ATRASO “desenhada” no livro do professor Jessé Souza. Se dependesse de sua vontade e de seus asseclas no Congresso Nacional, voltaríamos à escravidão de trabalhar 18 horas diárias sem qualquer direito social como ocorria no capitalismo primitivo do século XIX. Nas grandes nações a jornada oscila entre 30 e 36 horas, casos de Australia, Dinamarca, Alemanha, França, Holanda, entre outras, mas a burguesia brasileira é retrograda e sedenta em parasitar a mais valia de seus “colaboradores”.
Vejamos então o exemplo de uma fábrica que teve sob controle operário durante quase cinco anos. A CIPLA, indústria de material plástico considerada uma joia da coroa joinvilense, foi ocupada em 31 de outubro de 2002 pelos trabalhadores após 8 dias de GREVE. Assim que assumiram o controle fabril, a jornada foi reduzida para 40 horas semanais e em dezembro de 2006, numa Conferência Internacional de fábricas recuperadas por trabalhadores realizada no salão de eventos da Cipla, a peãozada, em assembleia geral, aprovou a redução para 30 horas semanais. Foi uma decisão festiva, inusitada e histórica que causou um frisson raivoso na burguesia da Manchester Catarinense e do Brasil.
Esse projeto foi definido pelo Comitê de Fábrica seis meses antes e um estudo do impacto econômico foi iniciado pela equipe técnica que concluiu ser viável, desde que 80 novos funcionários fossem contratados. Na época a Cipla tinha em torno de 800 operári@s. Imediatamente as contratações foram feitas. Ou seja, além de manter os empregos por quase cinco anos, reduziram a jornada e criaram novos postos de trabalho.
Surpreendente foi o nível de produtividade que essa medida gerou. Felizes e sorridentes, os trabalhadores e trabalhadoras se entregaram de corpo e alma à produção nas seis horas que trabalhavam de segunda a sexta-feira. Folgavam sábado e domingo. Os atestados médicos desapareceram e a assiduidade foi de quase 100%. Os custos de alimentação despencaram porque não era mais obrigado a servir almoço e janta, bastava um café com lanche, conforme determinação legal.
Quem surtou foi a burguesia local e nacional, porque os trabalhadores das grandes indústrias de Joinville passaram a cobrar posição dos sindicatos sobre o tema porque eles não tinham o mesmo direito. Não demorou para os ataques começarem. Paulo Skaf, presidente da FIESP e Merheg Cachum, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Plásticos (ABIPLAST), foram os articuladores que exigiram do governo federal a intervenção na CIPLA.
A empresa tinha um acordo comercial com o presidente Chavez e o povo venezuelano pra ajudar a dirimir o grave problema de moradia popular naquele país. PETROCASA, uma fábrica de casas de PVC foi montada pelos técnicos da CIPLA na Venezuela e, como pagamento, o governo Chavez enviaria R$ 2 milhões de reais por ano de matéria prima ao parque fabril em Joinville. Isso gerou reação da Braskem que detinha o monopólio da matéria prima no Brasil. Então, não faltou confusão e retaliação da burguesia furiosa.
Em 18 de janeiro de 2007, Paulo Skaf, presidente da FIESP, responde no G1 sobre a relação do governo Chavez com as fábricas ocupadas (G1 ). Em 22 de fevereiro de 2007, o presidente da Fiesp faz a seguinte declaração no Jornal O Estado de São Paulo: “É inaceitável esta ingerência do governo de Chavez nos assuntos internos brasileiros e no seu relacionamento de apoio às fabricas ocupadas Cipla/ Interfibra/ Flaskô”.
Merheg Cachum, Presidente da ABIPLAST, foi mais longe: “O governo venezuelano apoia ocupações de indústrias plásticas que foram assumidas por operários. Já são três (Cipla/ Interfibra/ Flaskô) as empresas que recebem apoio na forma de compra subsidiada de matéria-prima vinda da Venezuela (…). Em razão dessas atitudes, é imprescindível que os empresários e a sociedade civil de forma geral, organizem um manifesto de repúdio contundente a esse tipo de prática antes que isso se torne cotidiano e prejudique a democracia (burguesa é claro). Precisamos resgatar a indignação diante da interferência em nossos interesses (…). É preciso tomar providencias já (confira na revista da ABIPLAST – 01 de maio de 2007.
A providência veio 30 dias depois com 150 homens da Policia Federal numa intervenção judicial requerida pelo INSS sob a absurda e falsa justificativa de não recolhimento em 1997 de tributos por parte dos patrões. Porém, o governo federal utilizou neste caso dois pesos e duas medidas, ao ignorar o grave problema do não recolhimento do INSS dos maiores devedores da época: Encol (568 milhões), Banco Bancesa (332 milhões), Companhia Vale do Rio Doce (278 milhões), Mendes Junior Engenharia (268 milhões), Volkswagen (108 milhões), para ficar em alguns exemplos de uma lista de quinhentas empresas. Nenhuma intervenção federal ocorreu durante os 10 anos em que os patrões da CIPLA e Interfibra não recolheram sequer um centavo de tributos e encargos trabalhistas.
PaRa clarificar de vez a verdadeira intenção política da intervenção, vejamos o que escreveu o Juiz Oziel Francisco de Souza no Mandado Judicial: “o custo social da manutenção desses mil postos de trabalho é EXCESSIVAMENTE ALTO”. E mais: “será que a manutenção do Grupo CIPLA, gera, de fato, o bem à sociedade? Será que sua existência não estaria mais para UM MAL DO QUE PARA UM BEM SOCIAL?”. Acintoso e revoltante.
Enfim, a ocupação da CIPLA pelos trabalhadores foi uma experiência riquíssima que está cravada na história do movimento operário nacional e ganhou repercussão pelo mundo afora, provando que os trabalhadores são capacitados para serem “senhores de seu destino e capitães de suas almas” (parafraseando Nelson Mandela), sem necessidade da parasitagem burguesa.
Também foi provado que a redução de jornada é benigna aos trabalhadores e até aos capitalistas, porque o custo é ínfimo diante do benefício que causa, principalmente, na progressão geométrica da produtividade. Que essa experiência histórica possa iluminar os parlamentares do Congresso Nacional com decisão favorável a esse pleito que vai alavancar muitos empregos, além da melhora significativa na qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras do país.
*Jane Becker é presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville (Sinsej) e professora; Carlos Castro É Jornalista e ex-dirigente da Cipla, fábrica que foi ocupada pelos trabalhadores de 31 de outubro de 2002 a 31 de maio de 2007.
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Foto: Arquivo Sinsej
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Carlos Castro – Jornalista e ex-dirigente da Cipla, fábrica que foi ocupada pelos trabalhadores de 31 de outubro de 2002 a 31 de maio de 2007.
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