O tempo de trabalho, que consome grande parte do tempo de vida do trabalhador, é o objeto por excelência da luta de classes. Isto porque constitui a própria substância do valor, conforme descobriram os fundadores da Economia Política Clássica, ou seja, é o misterioso fator que gera e agrega valor às mercadorias.

Por esta razão, o pensador alemão Karl Marx dedicou um longo capítulo da sua obra prima (O capital, livro I, C VIII)) à análise da jornada de trabalho.

Em seus estudos, Marx observou que no capitalismo, a jornada de trabalho se divide em dois tempos contraditórios, que convivem em um infindável e insolúvel duelo, ditando os termos e de certa forma o resumo das brigas entre trabalho e capital.

De um lado, temos o tempo de trabalho necessário, atribuído ao trabalhador ou trabalhadora na forma de salário e outros benefícios indiretos. Do outro lado e num só tempo, corre o tempo de trabalho excedente, que corresponde à famosa e misteriosa mais-valia extraída.

As escaranuças recorrentes entre tempo de trabalho necessário e tempo de trabalho excedente transparecem claramente na luta por melhores salários e direitos sociais nas campanhas salariais. Constituem também o elemento oculto de batalhas políticas mais gerais como a que se verifica em torno do orçamento público para definir a distribuição e o destino das receitas governamentais. Essas podem ser canalizadas tanto em benefício da classe trabalhadora (por exemplo, com a política de valorização do salário mínimo, aposentadorias e pensões, BPC, Bolsa Família, MCMV e outros investimentos sociais) quanto para os capitalistas, garantindo o pagamento de juros extorsivos, desonerações, subsídios e renúncias fiscal a favor do capital, entre outras formas.

O Estado (com exceção de alguams empresas estatais) não produz valor (no sentido que a palavra adquire na economia capitalista). Mas os governos arrecadam, por meio de imposto e taxas, parte expressiva do excedente econômico, cuja fonte é o tempo de trabalho excedente realizado pela classe trabalhadora durante a jornada, e redistribui esses valores.      

Redução da jornada

A guerra entre os dois polos antagônicos da jornada fica ainda mais clara na demanda secular pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários, o que implica num primeiro momento em aumento relativo do tempo de trabalho necessário em detrimento do tempo de trabalho excedente. Isto se aplica também aos intervalos intrajornada, um dos alvos da reforma trabalhista do governo Temer, que impôs sérios retrocessos ao Direito do Trabalho no Brasil a pretexto de modernizar a legislação.

O choque de interesses vem à luz com a classe capitalista majoritariamente se opondo de forma tenaz a esta demanda trabalhista e o a classe trabalhadora labutando em sentido contrário. Este combate ganhou contornos épicos em muitas momentos históricos.

Foi destacadamente o caso da Revolta de Haymarket, conflito que eclodiu em 4 de maio de 1886, em Chicago, nos Estados Unidos em maio a uma greve operária pela redução da jornada de trabalho a 8 horas diárias.

Durante uma manifestação do operariado, a polícia a soldo do capital abriu fogo contra os trabalhadores assassinando quatro pessoas, deixando dezenas de feridos e prendendo mais de cem manifestantes.

Em memória e homenagem aos mártires de Chicago, que foram condenados e executados injustamente nos EUA num processo kafkniano escandaloso, a Segunda Internacional Socialista instituiu o Dia da Classe Trabalhadora em 1889.

A Revolta de Haymarket não foi em vão. Inspirou outras lutas do gênero e ao longo do século XX a jornada limitada a 8 diárias transformou-se em realidade em quase todo o mundo capitalista como fruto da luta de classes.

Com altas e baixas, a luta pela redução da jornada - expressão do conflito entre tempo de trabalho necessário e tempo de trabalho excedente - prosseguiu e prossegue ao longo da história, seja para evitar retrocessos

No vídeo que pode ser acessado no link abaixo, a professora Dayani Cris de Aquino, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná, discorre sobre o Capítulo VIII de O capital, que disseca oscomponentes e os limites da jornada de trabalho, bem como a rica história da luta pela redução da jornada na Inglaterra.

Acesse

https://youtu.be/5GtQZ4etccE