O tempo é um recurso escasso e inacumulável, tornando-o o recurso mais valioso que possuímos. Muitas vezes, uma mentalidade focada no dinheiro pode prejudicar a felicidade, pois as pessoas tendem a superestimar o valor das coisas que custam dinheiro e subestimar a importância do tempo. Entenda como se tornar "rico em tempo". Por Julio de Paula, filósofo do Direito As pessoas costumam dizer: “Tempo é dinheiro”, mas o que falta no aforismo é que o tempo é de longe o recurso mais precioso da vida. Uma mentalidade centrada no dinheiro pode ser prejudicial à sua felicidade em comparação com uma mentalidade que valoriza o tempo. Para ser mais “rico em tempo”, esclareça seus valores fundamentais e use seu dinheiro para facilitar as atividades e experiências que os apoiam. O tempo é um recurso de escassez absoluta. É impossível seu acúmulo ou economia. Estamos o gastando a taxas constante, e não há nada que possamos fazer quanto a isso. A ampulheta do tempo é implacável. Como sugere a letra de Lulu Santos em Tempos Modernos "Hoje o tempo voa, amor Escorre pelas mãos Mesmo sem se sentir Não há tempo que volte, amor Vamos viver tudo que há pra viver Vamos nos permitir" Tempo de vida Quatro mil semanas é a vida média de uma pessoa que vive no mundo moderno. Com exercícios e uma vida saudável, você pode majorar esse número em alguma medida. Uma doença ou acidente pode facilmente pôr fim a esta contagem muito antes dessa marca. Qual seja o valor, este é todo o tempo que você tem para construir a vida que deseja. Embora rígido, este enquadramento nos permite visualizar de forma mais instintiva que nosso tempo é limitado e isso o torna o recurso mais precioso que nós temos. Desse montante de quatro mil semanas, gastamos cerca de um terço dormindo. Quanto ao restante, somos impostos a um trade off contínuo e inescapável, em que, assim como com o dinheiro, estamos expendendo nosso tempo com prazeres, necessidades, momentos, e precisamos avaliar diferentes opções para decidir como gastá-lo. Embora isso não seja nenhuma novidade, quando falamos de escolhas de vida, é interessante notar a cegueira das pessoas para a consequência das trocas realizadas. Afinal, quando se trata de como usamos o nosso tempo, percebemos que a maior parte geralmente é a serviço do dinheiro. Gastamos mais horas por dia em trabalho remunerado (e demais horas conexas, como transporte) do que qualquer outra atividade. E esse número representa apenas o ganho de dinheiro. Quando você leva em consideração o orçamento, os gastos, os investimentos e a preocupação com as finanças, o dinheiro devora até mesmo o tempo alocado para trabalho não remunerado ou atividades de lazer. O fato de gastarmos boa parte de nosso tempo em busca de dinheiro fez popularizar a ideia de que ambos são recursos equivalentes e intercambiáveis. Você não só gastou o primeiro para conseguir o último, como o dinheiro seria o melhor resultado possível do seu tempo, e qualquer tempo gasto diversamente seria desperdício. Benjamin Franklin, um grande pensador estadunidense, cunhou o ditado segundo o qual "tempo é dinheiro", no ensaio “Conselhos a um jovem comerciante”, de 1748. Mas, tempo e dinheiro não são recursos equivalentes. Se medirmos o valor de um recurso com base na sua escassez, então o tempo deveria ser muito mais valorizado uma vez que você sempre pode aumentar sua oferta de dinheiro. Você ganha mais dinheiro negociando aumentos, ganhando promoções ou mudando de profissão. Você pode vender produtos por um valor superior aos seus custos, economizar para gastar quando for mais vantajoso ou investir seu dinheiro e criar capital para sacar mais tarde. Você pode ganhar mais dinheiro na loteria, e até mesmo roubá-lo. O mesmo não pode ser dito sobre o tempo, pois o montante gasto em uma atividade nunca poderá ser recuperado e trocado por outra coisa. Você não pode economizar tempo para uma temporada mais favorável nem investi-lo para obter mais depois. E embora você obtenha muitos benefícios com o uso do seu tempo – educação, saúde, lazer e, sim, dinheiro – essas coisas não podem ser convertidas novamente em tempo. “Tempo - o único bem que nenhum de nós jamais obterá mais”, observou o escritor Gary Vaynerchuk. Claro, o dinheiro é necessário. Você precisa dele para comprar comida, pagar as contas, preparar-se para a aposentadoria e realizar uma série de outras tarefas diárias. No entanto, pesquisas sugerem que, uma vez que o seu rendimento ultrapassa o mínimo de subsistência, ter uma mentalidade centrada no dinheiro pode ser prejudicial para o seu bem-estar subjetivo. “A maioria das pessoas não conhece os fatos científicos básicos sobre a felicidade – sobre o que a traz e o que a sustenta – e por isso não sabem como usar o seu dinheiro para adquiri-la”, afirmaram os psicólogos Elizabeth Dunn, Daniel Gilbert e Timothy Wilson, em estudo de 2011 publicado no The Journal of Consumer Psychology. Os pesquisadores ainda acrescentam: “O dinheiro é uma oportunidade para a felicidade, mas é uma oportunidade que as pessoas desperdiçam rotineiramente porque as coisas que elas acham que as farão felizes muitas vezes não o fazem.” De acordo com a investigação, quando as pessoas pensam sobre como o dinheiro pode trazer felicidade, normalmente cometem dois erros fundamentais. Em primeiro lugar, as previsões feitas quase sempre estão erradas e, em segundo lugar, elas não conseguem perceber que o contexto em que fazem essas previsões não é o mesmo que a experiência real. Afinal, na maior parte das vezes, após um nível de renda mediano, as pessoas passam não a adquirir bens e experiências que não possuem, mas a trocar – geralmente por um alto custo – estes por equivalentes ligeiramente superiores. No entanto, trocar sua TV de 65 polegadas por uma de 85, um Toyota Corolla por um Mercedes, uma classe econômica por primeira classe num voo, ou um hotel 4 estrelas por um 5 estrelas, trazem ganhos irrisórios de felicidade. Dessa forma, embora a compra tenha trazido felicidade, ela é significativamente menor do que se imaginava, especialmente se comparada aos custos de tempo e dinheiro. Os resultados dessas pesquisas também parecem se confirmar com os relatos de médicos que lidam com pacientes no final da vida. Ana Claudia Quintana Arantes, autora do best-seller "A morte é um dia que vale a pena viver: e um excelente motivo para se buscar um novo olhar para a vida", e também médica geriatra que atua na área de cuidados paliativos do Hospital Albert Einstein, listou, em entrevista ao site UOL, os cinco principais arrependimentos que os pacientes em estado terminal confessam: Não ter feito a história de vida com base nas próprias escolhas, e perdido o tempo fazendo o que os outros queriam; Não ter demonstrado afeto; Ter ficado mais tempo com os amigos; Não ter trabalhado tanto; Ter se feito mais feliz. O que de certa forma constitui um resumo dos outros motivos alegados. Nota-se acima que nenhum dos arrependimentos é sobre falta de bens, mas a maioria deles decorre da busca por dinheiro. As pessoas se deparam com a escassez de tempo no fim da vida, no leito de morte, quando ela está escancarada. Mas a essa altura, já é tarde demais. "A questão é que você pode trabalhar a vida inteira para ganhar dinheiro apenas para descobrir que perdeu todas as oportunidades da vida para passar tempo com a família e os amigos. O dinheiro não é o fim de tudo, é tudo. Acredite em mim quando digo que ninguém no leito de morte gostaria de ter trabalhado mais, ganhado mais dinheiro ou passado mais tempo longe da família", salientou Jimmy Turner, médico e filósofo. No entanto, é interessante ver como a maior parte das pessoas não faz essas reflexões sobre escolhas enquanto jovens, sopesando o valor que elas dão cada uma das coisas em suas vidas, e as trocas que estão fazendo. Essa reflexão é especialmente importante para você leitor, que provavelmente está na vida adulta, mas não aposentado. A imagem abaixo representa bem um dilema no qual quase todos nós passamos: Contudo, tempo, dinheiro e energia não captam toda a complexidade do impasse. É preciso considerar também que nossa personalidade, gostos e preferências mudam, as pessoas e oportunidades vêm e vão, portas se abrem e se fecham. Que certas coisas tem idade certa pra viver, e ou você não pode fazer, ou não consegue fazer, ou não tem mais vontade de fazer. Só se é jovem uma vez, empolgado, apaixonado, surpreso. Nossos filhos só são crianças por determinado período, nossos pais só estão presentes por certo tempo. A vida não espera. “Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida”. Foi o sábio conselho de Séneca, o grande filósofo romano. A vida no geral é inerentemente escassa de tempo livre. Você não precisa chegar ao final da vida para notar isso. Todos nós morreremos lendo nem 1% dos livros que desejamos, não veremos uma ínfima fração dos filmes e séries que gostaríamos, não jogaremos suficientemente os jogos que nos divertem, não conheceremos os lugares que nos maravilham. E a vida adulta é especialmente carente de tempo, embora tratemos a falta de dinheiro como nosso maior problema. Raramente deitamos a cabeça no travesseiro lamentando não ter adquirido um produto no dia, mas diariamente dormimos com a sensação de que não fizemos tudo que gostaríamos por falta de tempo. E apesar disso, dois comportamentos profissionais são extremamente comuns para pessoas que já atingiram um nível econômico em que suas necessidades já foram majoritariamente atingidas: trabalhar excessivas horas por dia; e/ou aceitar cargos que demandem ficar longe de família e, amigos, ou também em localidades sem estrutura ou que não lhe agradem. Enquanto este é um comportamento racional para aqueles que passam por isso como uma pequena fase da vida, onde o sacrifício momentâneo lhe recompensará num futuro breve com muito mais tempo livre e opções em como gastá-lo, é extremamente comum encontrar pessoas que vivem constantemente dessa forma, trocando a maior parte de seu tempo, qualidade de vida e relacionamentos, por uma quantidade adicional de dinheiro que não se reflete em felicidade. Nossa tendência de pensar constantemente em termos financeiros nos faz intuitivamente valorizar mais as coisas que custam dinheiro em relação àquelas que são gratuitas. Ao mesmo tempo, tendemos a valorizar excessivamente as potencialidades que o dinheiro nos traz, ao invés de avaliar o que ele de fato nos trouxe. Esquecemos frequentemente que o dinheiro é um meio, não um fim. Esta maneira de pensar nos faz agir de maneiras contraditórias as nossas crenças e preferências. A maior parte das pessoas se sentiria agraciada em ocupar um cargo de alta remuneração em uma localidade afastada, de pouca estrutura, longe de família e amigos, os vendo apenas poucas vezes ou uma vez por ano. No entanto, diante de um exercício mental em que se é dado duas opções de vida para “viver o personagem”: uma com a vida supracitada, repleta de zeros na conta bancária, que sequer são gastos por falta de opções de lazer e tempo livre; e uma outra vida, com ganhos medianos, mas na cidade que ama, repleta de opções de entretenimento e gastronomia e perto de família e amigos, a maioria das pessoas escolhe a última. Num mundo fictício, onde se faz as escolhas de seu personagem, antes de dar “play” nessa vida, soaria irracional que uma pessoa trocasse milhares de horas de lazer e companhia de amigos e familiares, para passar o mesmo equivalente em horas dentro de um Porsche ao invés de um Corolla. Não por acaso, provavelmente ninguém em seu leito de morte lamenta que gostaria de ter feito uma escolha do gênero. Em suma, as pessoas se iludem muito com o que o dinheiro poderia fazer por elas, ao invés de se preocupar com o que ele de fato faz. E pior, deixam de viver o hoje, na esperança de que o dinheiro acumulado recompensará sua vida na velhice. Ainda é Séneca quem reflete: "Ouvirás a maioria dizendo: Aos cinquenta anos me dedicarei ao ócio. Aos sessenta, ficarei livre de todos os meus encargos. Que certeza tens de que há uma vida tão longa? O que garante que as coisas se darão como dispões? Não te envergonhas de destinar para ti somente resquícios da vida e reservar para a meditação apenas a idade que já não é produtiva?" Dessa forma, uma mentalidade centrada no dinheiro pode ser prejudicial à sua felicidade em comparação com uma mentalidade que valoriza o tempo livre. Portanto, para ser mais “rico em tempo”, é necessário refletir sobre seus valores fundamentais, tentando se desvencilhar da armadilha mental que enxergar a vida puramente por aspectos financeiros e potencialidades nos causa, e definindo o que realmente importa na vida, o que nos faz feliz. E a partir desse panorama, não só fazer as escolhas de vida que agraciem esses valores, mas também passar usar o dinheiro para facilitar as atividades e experiências que lhe dão suporte. Essa ideia nos leva para outro importante ponto. Como você não pode comprar tempo adicional, existe um limite até onde vale a pena vender seu tempo. E ele é bem menor do que as pessoas com uma vida já confortável geralmente estabelecem. Contudo, é possível comprar "tempo restante", que é basicamente trocar o tempo gasto em tarefas que ou são desagradáveis, ou que ainda não sejam, não são a escolha de sua preferência caso tivesse tempo livre. À vista disso, é preciso saber identificar em qual momento financeiro da vida devemos virar a chave, e inverter o processo. Deixar de vender nosso tempo e liberdade em troca de mais dinheiro, para usar a segurança do dinheiro acumulado para finalmente adquirir mais tempo, seja trabalhando menos, já que o ganho marginal de felicidade obtida com mais dinheiro é menor que o resultante de mais tempo livre, seja parando de gastar o tempo com tarefas que trazem pouca economia de dinheiro, abdicando de fazê-las, ou pagando outros para executarem. Portanto, “comprar tempo” rapidamente se torna o melhor gasto que o dinheiro pode te dar. Mas isso é tema para um próximo texto.