Roteiristas e atores decidiram cruzar os braços em Hollywood. A primeira categoria, representada pelo Sindicato de Roteiristas (WGA, na sigla em inglês), está parada desde o dia 2 de maio. A segunda, representada pelo Sindicato de Atores (SAG-AFTRA) aderiu ao movimento na última sexta-feira (14).
A greve ocorre na sequência dos impasses na negociação de acordos coletivos com a Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP), a poderosa associação patronal e, principalmente, com os novos “reis” de Hollywood: empresas de streaming como Netflix, Disney, Amazon Prime, Paramount e Warner Bros.
União
É a primeira vez em 60 anos que as duas categorias unificam suas forças numa greve. O WGA conta com 11,5 mil sócios enquanto o SAG-AFTRA representa mais de 160 mil atores e atrizes. A paralisação conta com apoio quase unânime das bases: 97,9% dos atores e atrizes votaram a favor da greve.
Trabalhadores e trabalhadoras exigem a revisão dos contratos de trabalho, que envolve atualização de ganhos, regulamentações de streaming e do uso de Inteligência Artificial, além de melhores condições de trabalho, incluindo um aumento nos pisos salariais, valor das pensões e plano de saúde.
Intransigência e cinismo
As empresas justificam a intransigência nas negociações alegando dificuldades financeiras, mas seus argumentos são rejeitados e rebatidos pela presidenta do Sindicato de Atores, a atriz Fran Descher, que virou uma celebridade nos anos 1990 como protagonista da série The Nanny e hoje se declara anticapitalista. Ela não deixou de notar o cinismo dos empresários nas negociações.
“Eu estou em choque por conta da maneira como as pessoas com as quais estamos negociando estão nos tratando”, afirmou. (Dizem) “que estão perdendo dinheiro a torto e a direito, enquanto dão a seus CEOs centenas de milhões de dólares. Isso é nojento. Deveriam se envergonhar. Estão do lado errado da História”.
Ameaça existencial
A forma com que as empresas se apropriam da Inteligência Artificial está no centro das preocupações dos profissionais.
"Hoje é um dia histórico”, declarou a atriz ao anunciar a greve. “Se não nos mantivermos firmes agora, todos teremos problemas. Todos correremos o risco de ser substituídos por máquinas e grandes empresas".
Os sindicalistas alertam que “a inteligência artificial representa uma ameaça existencial para as profissões criativas”. Duncan Crabtree-Ireland, negociador-chefe do SAG-AFTRA, não poupou críticas aos empresários pela forma com que pretendem usar a IA.
Ele informou que os estúdios chegaram a solicitar a profissionais o escaneamento de rostos de artistas com o pagamento de um dia de trabalho para, em seguida, ter o direito de usar sua imagem "pelo resto da eternidade, em qualquer projeto que quiserem, sem consentimento e nenhuma compensação".
Riscos da Inteligência Artificial
O Writers' Guild of Great Britain (WGGB) - um sindicato que representa escritores de TV, cinema, teatro, livros e videogames no Reino Unido - levantou os seguintes problemas:
- Os desenvolvedores de IA estão usando o trabalho dos escritores sem sua permissão e infringindo os direitos autorais dos escritores;
- As ferramentas de IA não identificam adequadamente onde a IA foi usada para criar conteúdo;
- O aumento do uso de IA levará a menos oportunidades de trabalho para escritores;
- O uso de IA vai diminuir a remuneração dos escritores.
Apropriação capitalista
A greve em Hollywwod expõe uma das contradições mais perversas e dolorosas do modo de produção capitalista, originada pela apropriação privada dos benefícios decorrentes do avanço da produtividade do trabalho, impulsionado principalmente pela ciência e a introdução de novas tecnologias ao processo de reprodução do capital.
Por definição, o aumento da produtividade do trabalho significa que a produção de bens e mercadorias em geral demandam um tempo menor de trabalho. Isto deveria e poderia se traduzir em redução da jornada de trabalho e também dos preços das mercadorias.
Mas, não é o que ocorre no capitalismo, onde o patrão procura se apropriar dos ganhos de produtividade na forma do que Karl Marx batizou de mais-valia, ou, em outras palavras, lucros que, maximizados, são distribuídos com exclusividade entre os proprietários de ações.
Os trabalhadores ficam a ver navios, ou pior, para a classe trabalhadora as novas tecnologias, na dinâmica capitalista, significam desemprego em massa, precarização e depreciação dos salários.
Exploração
Aparentemente, atores e roteiristas de Hollywood são categorias privilegiadas de assalariados, mas a verdade é que esses profissionais também são submetidos às relações capitalistas de produção, relações de exploração que se tornam tanto mais infames quanto mais se desenvolve a ciência e a tecnologia humana, conquistas civilizatórias que o capitalista transforma em propriedade privada.
O capital é indiferente ao sofrimento que impõe à maioria da sociedade, composta por trabalhadores e trabalhadoras. Como confessou Suumit Shahjá, fundador e diretor executivo da uma empresa indiana que substituiu 90% dos seus funcionários por IA, o objetivo é a "rentabilidade, e não simpatia".
Riqueza num polo, miséria noutro
O resultado disto tudo é o crescimento exponencial da concentração da renda, com a riqueza crescente num polo contrastando com o avanço da miséria no outro.
O senador estadunidense Bernie Sanders, do Partido Democrata, observou que em 2022 “três multibilionários possuíam mais riqueza do que a metade inferior da sociedade americana (160 milhões de americanos). 45% de toda a nova renda vai para o 1% do topo, e os CEOs de grandes corporações ganham um recorde de 350 vezes o que seus funcionários ganham”.
“Hoje”, prosseguiu o senador, “metade do nosso povo vive de salário, e milhões lutam com salários de fome. Apesar de uma vida inteira de trabalho, metade dos americanos mais velhos não têm economias e não têm ideia de como poderão se aposentar com dignidade, enquanto 55% dos idosos estão tentando sobreviver com uma renda de menos de US$ 25 mil por ano”, acrescentou.
No Brasil, seis bilionários têm uma riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres do país. Os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda dos demais 95%, segundo levantamento da ONG Oxfam divulgado em 2018. Um escândalo convenientemente ignorado e naturalizado pela mídia hegemônica.
A Inteligência Artificial (IA) tende a agravar este cenário crítico para os povos. O Goldman Sachs publicou um relatório em março deste ano indicando que a IA pode substituir cerca de 300 milhões de empregos em tempo integral.
O único caminho para reverter este cenário que evolui celeremente para o caos e a barbárie social e política é através da luta da classe trabalhadora.
A greve no coração do maior país capitalista do mundo pretende colocar em xeque precisamente a distribuição dos ganhos da produtividade do trabalho que acompanham a evolução da ciência e das tecnologias humanas.
Ao invés de desemprego em massa e depreciação do valor da força de trabalho, o progresso das forças produtivas deve resultar em redução da jornada, salários mais robustos e melhores condições de vida para aqueles que produzem a riqueza e são dela alienados pelas relações sociais capitalistas de produção.
Que a greve em Hollywood seja vitoriosa e ajude a iluminar a consciência de classe e animar o espírito de luta dos trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo.